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Resistência à censura musical na ditadura militar

Atualizado: 24 de jan. de 2022

Artigo resultado da pesquisa monográfica de Ana Caroline de Oliveira Santos:


Se preferir, escute aqui a versão em podcast.


A CENSURA ÀS MÚSICAS DE PROTESTO NOS ANOS DE CHUMBO DO REGIME MILITAR DO BRASIL (1969-1974).


No Brasil, é muito comum lembrarmos da prática de censura apenas no período do Estado Novo (1937-1945), ou no período do Regime Militar (1964-1985). A verdade é que a censura acontece desde a Antiguidade em toda parte do mundo.


É interessante esclarecer que a prática da censura no Brasil nunca obedeceu a um padrão de funcionamento, mas se for necessário apontar uma semelhança, um padrão, podemos dizer que em todos os períodos, os governantes recorreram a esse mecanismo de controle para impedir a circulação de informações contrárias aos seus interesses.


É muito comum realizar-se uma análise sobre a Ditadura Militar apresentando o uso da tortura como fator central para exemplificar o sistema de repressão. A tortura como ação arbitrária, realizada por alguns interrogadores, transformou-se em método científico, criteriosamente planejado, com a finalidade de obtenção de informações sobre atividades ou indivíduos considerados inimigos internos da nação (MAGALHÃES, 1997, p.1). Mas aqui, usando como referência alguns autores como Marionilde Magalhães e Marcos Napolitano, pretendemos destacar outro mecanismo repressivo, que em alguns momentos demonstrou-se mais eficaz: a repressão preventiva.


Segundo Magalhães (1997), a repressão preventiva consistia na vigilância e controle cotidiano sobre a sociedade, uma prática que havia sido consolidada a partir da criação da “Comunidade de Informações”.


Todas as instituições, espaços ou personalidades ligadas à cultura eram severamente vigiadas pelo regime militar. A justificativa para tal ação era de que a esfera da cultura era meio fácil para a infiltração de comunistas e subversivos que procuravam difundir suas ideologias, confundindo o cidadão inocente.

A MPB, sigla que congregava a música de matriz nacional-popular desde meados dos anos 60 e que se declarava em suas letras abertamente contra o regime (NAPOLITANO, 2004), se tornou o maior alvo de vigilância civil e militar dentro desta esfera cultural. Segundo Napolitano (2004), a capacidade de aglutinação de pessoas em torno dos eventos musicais era uma das preocupações constantes dos agentes da repressão.


A atuação dos agentes de repressão no meio musical, de forma mais violenta, foi de 1967 a 1982. Entre 1967 e 1968 a MPB já havia se consolidado como gênero musical e movimento de cunho nacional-popular, o que teve como consequência o sucesso dos festivais da canção. Concomitantemente, houve o recrudescimento das questões estudantis. Isto levou os órgãos repressivos a destacarem o papel da música como um meio para propagandas subversivas.


Pode-se citar Geraldo Vandré como um dos principais suspeitos como responsável pelo surgimento de mais opositores ao regime. Logo após Vandré, surgiram muitas referências nos documentos a outros artistas, como por exemplo: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo e Nara Leão. A partir de 1971, quem passou a ocupar a maior parte dos informes e relatórios foram os shows do chamado Circuito Universitário. Naquele momento, os artistas considerados inimigos do regime passaram a ser, em escala decrescente: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Gonzaguinha e Ivan Lins.


Depois de 1978, a suspeição recaiu sobre os compositores e cantores que participaram da Campanha da Anistia e dos eventos do movimento operário. A cantora Elis Regina, que já havia sido citada em relatórios anteriores, começou a aparecer com mais frequência. A justificativa para tal, foi a gravação da canção O bêbado e a equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, canção considerada o hino da Anistia.


Após pesquisas em alguns artigos de especialistas em repressão militar, especificamente a repressão preventiva e a lógica de suspeição, percebe-se que muitos autores afirmam que a maioria dos casos de veto ou censura dos artistas e eventos ligados à MPB foram unicamente baseados em hipóteses. Como disse Marcos Napolitano, em muitos informes obtidos por fontes há a presença de termos como “consta”, “segundo anotações”, e essas hipóteses, na visão dos agentes, bastavam para colocar em prática todo o mecanismo de repressão necessário para evitar um possível avanço de ideias subversivas ou uma revolução comunista.


FORMAS DE RESISTÊNCIA À CENSURA MUSICAL


Todas as canções eram submetidas à censura prévia para serem analisadas, modificadas, sofrerem cortes ou até mesmo serem proibidas. Porém, sabe-se que em alguns momentos os artistas realizavam modificações para passar pelo crivo da censura, mas, no momento da gravação ou de apresentações, a letra original da canção era mantida e consequentemente muitos processos foram impostos por conta da desobediência dos artistas.


Percebendo que resistir e manter suas canções com as letras originais era ineficaz, muitos artistas passaram a modificar algumas palavras ou até mesmo frases inteiras, porém, mantendo o caráter contestatório ao regime, dessa vez mascarado por inversões, ironias, duplos sentidos e outras estratégias linguísticas. Por conta desse mecanismo, não raro, muitas letras passavam despercebidas pelo Departamento de Censura de Diversões Públicas, mas nunca pelo público.


Documento da censura avaliando a música “O Exercício”, de Raul Seixas e Paulo Coelho, 1973
Documento da censura avaliando a música “O Exercício”, de Raul Seixas e Paulo Coelho, 1973. Arquivo Nacional.

A “linguagem de fresta”

Os compositores e cantores usaram, como alternativa, o que ficou conhecido como linguagem de fresta, que nada mais era do que uma linguagem repleta de metáforas que tinham como objetivo disfarçar o verdadeiro sentido das letras “fazendo com que a mensagem passasse pela ‘fresta’ das palavras (BERG, 2002, p. 123). Podemos lembrar a música “Apesar de você”, de Chico Buarque, que passou despercebida, inicialmente, pelo DCDP e foi aprovada. Além de Caetano Veloso, Dilmar Miranda também usa esse termo com a expressão “de olho na fresta”. Gilberto Vasconcellos também divulgou a expressão em 1977. Na canção intitulada “O Samba de Orly”, escrita no exílio “voluntário” de Chico Buarque, ele conseguiu passar a mensagem substituindo duas frases sem que o sentido real fosse alterado. Nas duas últimas linhas, Chico Buarque substituiu “pela omissão” por “pela duração” e “um tanto forçada” por “dessa temporada”. Se levarmos em conta o contexto do período, fica simples perceber que os “da pesada” aos quais Chico Buarque se refere, são o governo, os censores e todos aqueles que detinham o poder.


Podemos citar outro exemplo de uso da metáfora a fim de driblar a censura: a composição de Raul Seixas, intitulada “Mosca na sopa”. Nessa canção, segundo Amilton Justo de Souza: “Raul faz uma crítica ao regime militar brasileiro e, ao mesmo tempo, presta uma homenagem ou apologia àquelas pessoas que continuavam se engajando na luta armada. Ou seja, apesar das mortes efetuadas pela repressão militar contra aqueles que aderiam à luta armada, era preciso acreditar que mesmo assim iriam aparecer outras pessoas para ocupar os lugares daquelas que se foram, perturbando o sono dos militares (SOUZA, 2010, p. 246)”. Exterminar/eliminar não era, neste caso, referente aos insetos, e sim à eliminação de opositores do governo.


Outra forma, entre inúmeras adotadas pelos compositores para resistir ao cerco da censura sobre suas canções e que, com o tempo, passou a ser bastante conhecida, foi o uso de pseudônimos. O cantor Taiguara usou pseudônimo feminino em algumas de suas composições. Algumas composições do disco Imyra, Tayra, Ypy – Taiguara, de 1975 - foram assinadas com o nome Gheisa Chalar da Silva, sua esposa na época. Chico Buarque também recorreu ao uso de pseudônimos, assinando algumas canções como Julinho da Adelaide ou Leonel Paiva. Após os censores descobrirem essa tática, eles passaram a exigir o número da identidade dos artistas, dificultando o uso dessa forma de resistência.


Em determinados momentos, os censores eram orientados a atentar mais para a censura política e, em outros, mais para a censura moral. O que não devemos nos esquecer é de que os “anos de chumbo do regime militar” foram o período em que, certamente, mais ocorreu a autocensura por parte dos compositores e isso se justifica pelo recrudescimento da repressão após o decreto do AI5.


SOBRE A AUTORA

Ana Caroline


Ana Caroline, formada em história e entusiasta da psicologia. Pensa alto, fala alto e ama boas conversas. Tem esperança de que a construção de um mundo melhor começará pela educação e no ensino básico de qualidade.

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Instagram: @anys_oliiveira

Facebook: Ana Oliveira

 

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Referências bibliográficas:

BERG, Creuza de Oliveira. Mecanismos do silêncio: expressões artísticas e censura no

regime militar (1964-1984) / Creuza de Oliveira Berg. São Carlos: EdUFSCar, 2002.

BRITO, Eleonora Zicari. A Música Popular Brasileira nos conturbados Anos de Chumbo:

Entre o engajamento e o desbunde. Projeto história nº 43. Dezembro de 2011.


MAGALHÃES, Marionilde Dias Brepohl de. A lógica da suspeição: sobre os aparelhos

repressivos à época da ditadura militar no Brasil. Revista Brasileira de História, São

Paulo, ANPUH, v. 17, n. 34, 1997


NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a Canção: Engajamento Político e Indústria Cultural

na Música Popular Brasileira (1959-1969). SP: Anablume: Fapesp, 2001.


SOUZA, Amilton Justo de Souza. “É o meu parecer”: a censura política à música de

protesto nos anos de chumbo do regime militar do Brasil (1969-1974). João Pessoa – PB.

Outubro de 2010


SOUZA, Amilton Justo de. A censura política da Divisão de Censura de Diversões

Públicas à música de protesto no Brasil (1969-1974). IN: ANPUH – XXV SIMPÓSIO

NACIONAL DE HISTÓRIA. Fortaleza, 2009.


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