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"Por que Anora, de Sean Baker, continua mesmo depois dos créditos?"

O amor por Anora não acontece à primeira vista. Ele precisa de um tempo. O tempo da primeira impressão é o tempo do roteiro confuso, da sexualização da imagem feminina, da indefinição entre o drama e a comédia, da ingenuidade que não convence.


Quando assisti ao filme pela primeira vez, eu não gostei. Mas também não desgostei. Gosto de filmes verdadeiros. E aquele era um filme tão tosco e confuso quanto a vida. Mas essa percepção veio aos poucos. Eu não me encantei imediatamente com o filme, mas, por alguma razão, os dias passavam e ele não saía de mim.


Fui entendendo, aos poucos, que aqueles mesmos pontos que identifiquei no primeiro parágrafo como problemáticos eram o que faziam de Anora um filme sensível e verdadeiro. Porque factual é a vida com o roteiro confuso; verdadeira é a vida que todos os dias nos acontece entre o drama e a comédia. Incontestável é a ingenuidade adolescente que age por impulso e acredita nas juras de amor. Desgraçadamente real é a falta de empatia juvenil, principalmente entre os educados em um mundo de privilégios. Enfadonhamente real é a forma como a sociedade compreende a prostituição dentro de uma perspectiva de objetificação da mulher que ignora a complexidade e a diversidade das realidades dessas mulheres — o que inclui a possibilidade de que elas possam sonhar.


Não percebo, como li em algumas críticas, a objetificação da mulher sendo reforçada no filme. Pelo contrário, compreendo que a crítica presente no filme está nas sutilezas, nas emoções singelas, porém legítimas, daquela menina que acreditou no amor e num futuro diferente — tão compatível com a ingenuidade da sua idade — no tratamento da família do garoto com ela, entre outros tantos detalhes que acompanhamos durante os 140 minutos de filme.


Tantas vezes comparado a outro filme, A Substância, especialmente no que concerne à abordagem da exposição feminina, não acho que sejam comparáveis, pois a arte pode ser mais livre do que isso. No entanto, o contraste que observo entre os dois é o de que Anora não é um filme óbvio, como o é A Substância, onde tudo está dado à primeira vista. Anora é complexa, cheia de nuances, e o filme nunca a reduz a vítima ou vilã.


É por isso que acredito que Anora pode “acontecer” para o espectador aos poucos. Especialmente para aqueles que se permitirem assumir que talvez tenham, um dia, acreditado em promessas de amor tão tolas aos olhos alheios, de maneira tão intensa. Especialmente para aqueles que não negarem que, imaturos, já foram insensíveis aos sentimentos alheios em prol do próprio prazer. Especialmente para aqueles que admitirem que talvez esperneassem, gritassem e quebrassem coisas ao se sentirem ameaçados — como Anora quando os capangas chegam em sua casa e ela não está entendendo nada. Especialmente para aqueles que admitirem ser toscos, imaturos, confusos, às vezes dramáticos, às vezes cômicos, às vezes tolos, às vezes egoístas.


Talvez seja por isso que Anora permaneça. Porque não se trata de um filme que se explica, mas que se sente. Ele não oferece respostas fáceis, não se esforça para agradar, não se encaixa perfeitamente em gêneros ou fórmulas. E, justamente por isso, toca em lugares que a gente nem sempre está pronto para reconhecer. É um filme que ressoa no tempo — e talvez o amor por ele não venha mesmo à primeira vista, mas pode vir. E quando vem, é difícil de ir embora.


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