Sexta-feira, um ponto de ônibus. O rapaz equilibra seu peso de uma perna para a outra, sistematicamente, sentindo a pele queimar. Considera sentar-se no banco, mas a constatação de que era feito de ferro o demove da ideia.
Ele olha pro seu relógio de pulso pela terceira vez desde que chegara ali. Agora são doze minutos de atraso. Sua margem de segurança para chegar no horário se esvaía rapidamente. Ela ficaria furiosa, ele já conseguia visualizar sua carranca de irritação silenciosa e decepção. Como se invocando sua presença, ele sentiu o celular vibrando no bolso, quase dando um pulo.
Droga. Respondê-la naquele estado seria, automaticamente, confirmar que se atrasaria. No entanto, ignorá-la era uma sentença de morte. Ele apanha o aparelho e, como o esperado, a mensagem o encara:
Mãe: Saindo do escritório. Vejo você às 16h.
Que surpresa, pensa amargamente. Ele não conseguia lembrar-se de uma vez sequer na qual a mãe tivesse se atrasado para o encontro quinzenal deles. Sem alternativa, desbloqueia a tela para respondê-la. Porém, nesse instante, o ônibus faz a curva do final da rua e ele faz sinal com vigor. O veículo para lentamente de forma caprichosa. Se não conhecesse Seu Paulo, o motorista, há tantos anos diria que o senhor fazia de propósito.
“Boa tarde, Seu Paulo”. Ele não consegue disfarçar a irritação na saudação.
“Boa tarde, rapaz”. Ele poderia jurar que o sorriso que a figura grisalha ostentava era irônico, mas, ele não tinha mais tempo pra gastar questionando-se. Portanto, decide passar pela roleta direto pro quinto assento da janela no lado direito. O seu lugar. Vê-lo vazio e, enfim, poder ocupá-lo trouxe-lhe uma necessária sensação de alívio.
A mensagem! A voz que costumava apressá-lo berra em sua cabeça colocando-o novamente num estado de urgência. Certo. Se Seu Paulo colaborasse, ele chegaria ao centro em cerca de treze minutos, ele poderia, então, acelerar o passo no percurso restante até a confeitaria. Somente o suficiente para chegar pontualmente, mas, sem ficar suado, caso contrário, denunciaria seu descuido. Agora, ele só precisa responder de maneira a não levantar suspeita da mãe, frio e direto como a mensagem dela. Ele respira fundo, pega mais uma vez o celular, desbloqueia-o, agora é só achar a conversa e... ele vê.
O rapaz podia jurar que alguém havia pegado seu estômago e feito um nó. Se tivesse comido algo antes de sair, provavelmente, vomitaria tudo. Encarando-o de volta,
uma bolinha verde com o número um marcando a mensagem não lida. Como ele pôde
não tê-la visto antes? Justo na conversa que ele mais ansiava por uma resposta, mas já
havia desistido de recebê-la depois do silêncio. Ele se sentira rejeitado e logo depois da
mais rara e sincera demonstração de afeto que fora capaz de oferecer. No entanto, ali
estava mesmo depois de tantos meses:
L: Me dê apenas uma conversa. Me encontre no nosso café às 16h.
Por um momento, tudo parece suspenso, anestesiado. Mas, logo em seguida, sua
mente entra em ebulição. O que fazer, agora? Certamente, ele tinha que responder. Não, espera. Responder imediatamente, depois de todo esse tempo, seria interpretado como desespero. No entanto, olhando melhor, ele percebe que a mensagem havia sido enviada há horas. Como ele não a vira antes? A essa altura, o remetente já poderia ter interpretado o silêncio como um gelo, ou, pior, como um não, quando ele nem ao menos considerou a questão.
O lugar, a data e o horário para o encontro não eram inocentes. Era impossível negar o fato de que uma parte dele queria ir correndo pra lá. No entanto, dizer sim à L seria, necessariamente, dizer não à sua mãe e ele nunca perdera um de seus compromissos quinzenais desde a morte do pai há três anos.
Tempo, ele gostaria de ter mais tempo. Este, sempre lutara contra ele, por vezes,
ao se arrastar indefinidamente amplificando suas angústias e fazendo-o acreditar que não veria as coisas melhorarem, em outras, tinha a sensação de que ele escorria por entre seus dedos e sentia como se desperdiçasse sua vida numa sequência de dias iguais sem muito propósito. No entanto, em questão de minutos, sua tarde usual de sexta foi substituída por uma em que teria de fazer uma escolha que traria sérias consequências pro seu futuro. Ele sempre fizera o que se esperava dele, o correto. Agora, tudo se resume ao que ele verdadeiramente quer. No fim, esse sempre fora o problema.
Alguém aciona a campainha e o aviso de “Parada Solicitada” brilha debochando dele. Num sobressalto, percebe que aquele já era o seu ponto, o da praça central. O ônibus para e ele se vê obrigado a descer em direção ao precipício da escolha. Ele toma a esquerda e observa enquanto seus pés o levam até o lugar e, rapidamente, chega lá.
Ao parar em frente da janela envidraçada da loja, ele observa a pessoa, de quem não conseguiria abrir mão na sua vida, sentada à mesa habitual deles. Sendo sincero, no fundo, ele sempre soube que a escolheria. Alegrou-se em perceber que seu coração parece sossegado pela primeira vez em meses.
Ele respira fundo, abre a porta e entra.
Autoria de Laís Corrêa
Sobre a autora
Laís Corrêa
Laís Corrêa, 24 anos, petropolitana, graduada em Relações Internacionais. Tem uma dificuldade imensa em se definir em poucas linhas, espera que seus textos falem por si só.
Que tal trocar os brinquedos caros, passageiros e nada ecológicos por opções que estimulam o potencial artístico do seu pequeno ou pequena, contribuem para sua formação, ocupam e divertem e não geram lixo?
Muito bom o conto. Deu vontade de ler mais.