Ambos, a sistematização do balé clássico e o surgimento do pensamento cartesiano, estão inseridos em um mesmo contexto histórico-social-cultural.
O balé clássico surgiu no seio da sociedade aristocrática do século XVII. Na verdade, sua história começou alguns séculos antes, na Itália do “Quattrocento”, mas ainda com uma dimensão muito mais social do que cênica nos bailes da corte italiana. Sua sistematização ocorreu na França, no período de Luís XIV, século XVII e, portanto, imersa num contexto de revoluções filosóficas e científicas que alteraram a concepção do homem sobre o seu corpo.
O cartesianismo, movimento suscitado pelos pensamentos de René Descartes (1596 – 1650), coroava todo um pensamento que se desenvolveu desde o fim da Idade Média, principalmente nas camadas sociais privilegiadas. O corpo descrito por Descartes é o corpo-máquina, reflexo dos avanços anatômicos. A filosofia cartesiana não apenas defendia a diferença entre o corpo e a alma, mas também os hierarquizava, valorizando a alma em detrimento do corpo.
Ao corpo do bailarino clássico não era permitido experimentar, mas sim aprender o movimento correto, treiná-lo, ajustá-lo: corpo-máquina.
Segundo Descartes, o corpo e a alma são substâncias distintas e a dimensão racional é atribuída apenas à alma. Descartes elaborou, em sua filosofia, uma percepção mecanicista do corpo humano: o corpo é comparado a uma máquina, cujos órgãos são as peças responsáveis por seu bom funcionamento.
Ambos, a sistematização do balé clássico e o surgimento do pensamento cartesiano, estão inseridos em um mesmo contexto histórico-social-cultural. Estão ligados à difusão dos valores racionalistas entre as camadas mais privilegiadas da sociedade europeia no século XVII. E como não poderia deixar de ser, a arte está imersa no conjunto de ideias e valores de seu tempo. A hierarquia entre o corpo e a alma (dimensão racional), em que o corpo é o lugar da opressão e deve ser controlado e treinado pela mente, é bastante visível nos princípios do balé clássico. Corpos doutrinados através de treinos mecânicos e preparados para exprimir a perfeição do espírito. Ao corpo do bailarino clássico não era permitido experimentar, mas sim aprender o movimento correto, treiná-lo, ajustá-lo: corpo-máquina.
O balé é matematicamente organizado em todos os seus aspectos. A simetria de movimentos, a organização geométrica dos bailarinos no espaço e a métrica musical são rígidas e estão a serviço da expressão da perfeição. O balé que, inicialmente, em suas raízes na Itália, reproduzia um gestual ligado à elegância e ao status social foi, conforme a evolução do pensamento mecanicista, acentuando a padronização de movimentos e o espírito técnico em consonância com os valores da filosofia cartesiana.
Sobre a autora
Luiza Pessôa é bailarina, coreógrafa e graduada em História com pesquisas na área de história da dança e dança e educação. É autora do curso "MÉTODOS DE BALLET NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA" .
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