Uma prosa curta e construída, como não podia deixar de ser em se tratando de Adélia Prado, com uma linguagem polissêmica, riquíssima, apesar do seu tom informal muitas vezes pautado na oralidade.Um livro intenso, edificado a partir de registros do cotidiano, de questionamentos sobre a realidade, das emoções da personagem e, principalmente, marcado pela fé cristã e pela religiosidade de uma maneira geral.
Assim é “Manuscritos de Felipa”, publicado em 1999, em que se pode notar a voz da autora vibrando durante toda a obra. Como se observa em outras obras da escritora, Adélia escreve como forma de aproximar-se de Deus. Ele está em toda a sua obra, assim como a fé católica, a reza, a importância da religião em sua vida. No início de um dos manuscritos (XV) lê-se “Durante nove dias me obrigo a fazer o que mais gosto: rezar e rezar e rezar. Não se perde o fio da meada. É a uniquíssima coisa deste mundo que não tem erro nem cansaço.”.
No entanto, equivoca-se quem afirma que a literatura de Adélia resume-se ao contexto religioso. Escritora da observação, Adélia busca e revela em sua arte um sentido maior em realidades aparentemente banais para a sociedade.
A personagem, Felipa, mulher madura, mineira, escreve sobre seu cotidiano, seus sentimentos e angústias. Em uma espécie de reza constante, busca, na escrita e na conversa com Deus, a alegria e a tranquilidade de sua juventude. É assim que Adélia retrata, em vários momentos da prosa, o cotidiano interiorano e temas recorrentes da realidade mineira, sempre presentes em sua literatura. A própria Adélia costuma dizer “que o cotidiano é a própria condição da literatura”.
A escritora coloca o leitor em contato com o real, tocando nos sentimentos humanos mais obscuros: o medo, a tristeza, o conformismo, a preguiça. Enfim, Adélia "puxa o tapete" de quem a lê. Afonso Romano de Sant'Anna, referindo-se à literatura de Adélia Prado: “...aquela maneira de pegar a gente pelo pé e deixar a gente prostrado e besta com uma verdade revelada...”.
O leitor é ainda presenteado, durante a leitura dos manuscritos, com reflexões da personagem sobre a língua portuguesa, a escrita, a literatura, o que torna a obra ainda mais rica: “Que bom escrever assim, meio errado, uma palavra aqui, outra ali, próclises, elipses, até que vire um dialeto desconhecido, um orar em línguas...”.
Tudo isso elaborado com a autêntica linguagem de Adélia Prado: simples, coloquial, forte. Sua arte não está interessada na erudição, na formalidade, e sim em atingir o leitor de maneira direta.
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