Entenda como funciona a Lei Rouanet
por Bo Anders
A cada R$1 investido em cultura via Lei Rouanet, R$1,60 retorna aos cofres públicos. Cultura é um investimento altamente lucrativo para o país.
Não é de hoje que o governo usa a classe artística como bode expiatório para todos os problemas do país. A fraca regulamentação da profissão, somada à noção universal de que ser artista é apenas um hobby, torna a classe ainda mais vulnerável. Uma grande fonte de críticas é a Lei Federal de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet, e isso se dá pela completa falta de conhecimento do funcionamento da lei por grande parte da população.
A Lei Rouanet foi sancionada em 1991 pelo então presidente Fernando Collor para incentivar a produção cultural no país. Ao contrário do que muitos pensam, não existe um fundo de dinheiro público alocado para financiar projetos culturais, o patrocínio é feito via renúncia fiscal. Mas o que é isso? Renúncia fiscal é quando uma empresa ou pessoa física usa parte do imposto de renda para financiar um projeto em vez de pagar direto à Receita Federal. Aí surge a primeira reclamação desinformada:
“Dinheiro de imposto é dinheiro público que deveria ser investido na saúde ou na educação, mas vai pro bolso dos artistas!”
Em primeiro lugar, embolsar o dinheiro do patrocínio e não o usar para financiar o projeto é crime. Os contemplados pela lei precisam prestar contas à Receita. Segundo, existe um limite de quanto do imposto pode ser destinado a uma produção. No caso de pessoa física, o limite é de 6%, para pessoa jurídica, 4%. Dependendo do faturamento da empresa, 4% do imposto de renda é uma soma considerável, o que nos leva à segunda reclamação desinformada:
“Se o espetáculo tem patrocínio, por que o ingresso é tão caro?”
Eu vou usar como exemplo o processo de produção de um espetáculo musical para acompanhar a trajetória desse dinheiro.
O produtor inscreve o projeto na Lei para ser avaliado. Uma vez aprovado, ele está autorizado a captar recursos, isto é, bater na porta de empresas para pedir patrocínio. Nem todo projeto aprovado necessariamente consegue financiamento. Não existe repasse direto do governo para o artista.
Com o dinheiro do patrocínio em mãos, começa a pré-produção. Para isso, contrata-se a equipe criativa: diretor de cena, diretor musical, diretor de movimento/coreografia, cenógrafo, figurinista, iluminador. Essas são as pessoas que vão imaginar como o texto vai ficar no palco. Com o espetáculo todo esquematizado, inicia-se a produção propriamente dita: construção de cenários, confecção de figurinos, seleção de elenco e ensaios.
A produção conta com uma equipe enorme trabalhando todos os dias. São diretores, assistentes, atores, músicos, cenotécnicos, costureiros e assessoria de imprensa. Esse processo dura em média 3 ou 4 meses e durante esse tempo, é a produção que paga os salários de toda a equipe, alimentação e materiais. É aí que entra o dinheiro do patrocínio, para cobrir todos os custos – que são muitos e altos – antes do primeiro centavo entrar na bilheteria.
Uma vez em cartaz o espetáculo tem uma nova fonte de renda, mas engana-se quem pensa que o dinheiro da bilheteria é lucro líquido. Longe disso. Entram agora os custos de manutenção da temporada. Uma boa parcela paga o aluguel do teatro, que também tem seus custos operacionais, incluindo eletricidade, salários de vendedores, bilheteiros, lanterninhas, seguranças, equipe de limpeza, camareiros, contrarregras. A produção continua pagando salários aos atores, diretores, músicos, operadores de som, luz e microfones. A Lei Rouanet também determina que entre 20% e 40% dos ingressos sejam disponibilizados gratuitamente para pessoas de baixa renda e que um lote seja vendido a preços populares. A produção tem lucro? Lógico! Nenhum produtor monta um espetáculo só para entreter o público e ganhar aplausos. Esse é o trabalho dele, nada mais justo que ser remunerado por isso.
Agora vamos olhar para o processo desde o início e contar quantos empregos uma produção gerou. São CENTENAS de pessoas envolvidas para dar vida a UM espetáculo. Cada uma dessas pessoas que recebe um salário paga imposto de renda, todo o material usado nos cenários e figurinos, assim como gastos com serviços, são tributados. Portanto, indiretamente a Receita Federal recebe mais do que se a empresa que patrocinou o espetáculo tivesse pago o imposto diretamente. A cada R$1 investido em cultura via Lei Rouanet, R$1,60 retorna aos cofres públicos. Cultura é um investimento altamente lucrativo para o país. Desde a sua criação, a Lei Rouanet já injetou quase R$50 bilhões na economia. Basta pensar na quantidade de dinheiro que a Broadway e Hollywood movimentam por ano na economia americana para ver que cultura é trabalho sério e que os artistas – demonizados como a causa de todos os males - são, na verdade, a menor parcela dos trabalhadores dessa indústria.
Em vez de criticar o imaginário fundo de dinheiro púbico que banca a boa vida de artistas-comunistas, seria mais produtivo falar dos bilionários - e bem reais – fundo partidário e fundo eleitoral, estes sim mal utilizados e que não rendem absolutamente nada para o país ou para o contribuinte.
Não existe na história uma civilização sem cultura, o que prova que ela é uma necessidade que vai muito além do simples entretenimento. É muito triste viver num país onde uma lei para estimular a produção cultural é necessária. Vamos pensar nisso antes que mais museus sejam consumidos pelo fogo.
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Bo Anders
sobre o autor
Bo Anders é ator, cantor, produtor teatral e comanda o Canal Muito Franco no YouTube. Siga o perfil do autor.
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