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Foto do escritorAo Redor - Cultura e Arte

O Abacateiro, conto de Laís Corrêa

“Não”. Ela responde firmemente.

“Mas, Maria, não tem jeito, a gente tem que podar”. Mário rebate, cansado dessa altercação que já se arrasta há dias.

Maria respira forte, fecha a cara, olha no fundo dos olhos do marido e dá seu ultimato:

“Tudo bem, faça o que você quiser, eu desisto”. Em seguida, sai pisando firme para dentro de casa.


Mário sente uma onda de raiva instantânea atravessando seu corpo inteiro. Como ela pode ser tão irracional? Não é como se ele quisesse exterminar o abacateiro do quintal, era, simplesmente, uma questão de lógica. A árvore havia crescido tanto no último ano que estava cerca de três metros maior do que a casa. A cada chuva, ou, ventania, o som de seus grandes galhos se arrastando pelo telhado se tornava mais sinistro. Ele havia contado três telhas quebradas. Sem contar o tiroteio de abacates, Deus os livre de um deles cair na cabeça de um dos sobrinhos, ou, pior, de um de seus pais.

O abacateiro precisava ser podado, era definitivo.


Com um suspiro, Mário entra em casa. Nada de Maria na sala, tampouco na cozinha. Ele decide subir as escadas, tem um palpite de onde a esposa está. Conforme prossegue com a procura, percebe que sua raiva diminui. Na verdade, ele agora se sente frustrado.


No fundo, o rapaz sabe que sua mulher compreende a situação e todos os argumentos sobre a inevitabilidade da ação e, por Deus, ele não iria arrancar o bendito abacateiro pelas raízes, era apenas necessário cortar grande parte dos galhos que haviam crescido na direção errada. No fim das contas, a árvore iria acabar ganhando mais força e crescer mais do que nunca. Ela apenas faria isso numa forma mais segura para a casa, para todos. Antes de casar-se, Mário não poderia imaginar que uma situação como essa, tão simples de se resolver, sairia tanto do controle.


Ele parou no batente da porta do quarto e observou o interior: Maria sentada na cadeira de balanço próximo à janela, seu olhar perdido olhando para fora. Os grandes galhos do abacateiro carregados de folhas e frutos fazem belas sombras no chão e protegem o cômodo do sol escaldante. Era um quarto de bebê, um bebê que nunca chegou. Mas, isso não impediu que eles imaginassem o futuro: risadas, o canto dos passarinhos, a emoção de colher um abacate pela própria janela.

Havia meses que Mário não ousava pisar ali, mas ele sabia que a esposa sim. Por detrás da porta ele podia ouvir a sua voz, ora, numa conversa, ou, cantando, ora, seu choro. Em todas as ocasiões ele queria entrar, confortá-la, chorar junto. No entanto, seus pés não se mexiam. Ele fugia.


Hoje, a porta está aberta. O homem sente que se for embora, não conseguirá voltar nunca mais.


Ele respira fundo, dá o primeiro passo em direção à janela.


Devagarzinho vai se aproximando. Mesmo entre dois pontos tão próximos no espaço, é como se passasse uma eternidade no caminho. O batente e a cadeira. Finalmente, ele chega lá.


Suavemente, Mário coloca sua mão sobre o ombro de Maria e pousa seu olhar sobre o abacateiro. Enfim, ele olha. Permite-se observar cada detalhe, os verdes, os marrons, os resquícios de um ninho, os frutos – alguns grandes, outros diminutos – os raios solares e o calor brando deles que chega a sua pele. Ele, então, sente um outro calor e se dá conta de que este emana dos dedos da esposa que se entrelaçam com os seus. Uma energia percorre seu corpo com o olhar dela que, agora, volta-se para ele.

Ela sorri para ele. Um sorriso tímido, ainda doído, mas genuíno. Preenchido de amor.


Mário não saberia dizer quanto tempo eles permanecem assim. No fim, se pega dizendo algo inesperado: “Acho que tudo bem a gente esperar mais alguns meses para podar o abacateiro”.


“Não”. Ela responde firmemente.


Ele não consegue disfarçar sua surpresa. “Tudo bem, nós precisamos fazer a poda”, sua esposa completa.


Mário eleva as mãos entrelaçadas até seus lábios e beija a de Maria.


“Mas acho bom a gente arranjar várias pessoas para doar todos os abacates, não quero ver nenhum deles estragando”.


Mário sorri. Com isso ele pode conviver.


Autoria de Laís Corrêa


Sobre a autora

Laís Corrêa

Laís Corrêa, 24 anos, petropolitana, graduada em Relações Internacionais. Tem uma dificuldade imensa em se definir em poucas linhas, espera que seus textos falem por si só.

@lalahcorrea



 

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