Jean Renoir, um dos mestres do cinema, certa vez proclamou que um filme não tem autor da mesma forma que quadros e livros têm. Esta afirmação, que pode parecer audaciosa, encontra eco nas palavras de muitos estudiosos e profissionais da indústria cinematográfica. No livro "Palavra de Roteirista," Lucas Paraizo, jornalista e roteirista, destaca a complexidade e a colaboração intrínseca ao processo de criação de um filme. Paraizo argumenta que, enquanto um livro é frequentemente o produto da mente de um único autor - ainda que existam outros profissionais envolvidos em sua produção - um filme é o resultado de uma orquestração de talentos, cada um contribuindo com sua experiência e criatividade para o produto final.
Ao considerar o processo de realização de um filme, é evidente que nenhum roteirista ou diretor, por mais visionário que seja, pode determinar e controlar todas as variáveis envolvidas. David Mamet, em seu livro "On Directing Film," reforça essa ideia, afirmando que o cinema é uma arte colaborativa, onde cada detalhe, desde o roteiro até a edição final, é moldado por inúmeras mãos. A magia do cinema não reside apenas nas palavras escritas em um roteiro ou nas instruções de um diretor, mas na soma das contribuições de inúmeros profissionais, desde o iluminador até o montador, todos trabalham juntos e de forma criativa para construir uma experiência coesa e envolvente para o público.
Para ilustrar essa ideia, voltemos nossa atenção para uma obra-prima do cinema brasileiro: "O Auto da Compadecida", uma adaptação da obra de Ariano Suassuna. Embora Guel Arraes, o diretor, e Adriana Falcão, a roteirista, tenham desempenhado papéis cruciais, o filme é o resultado da colaboração de muitos. A expressão inesquecível de Matheus Nachtergaele, a interpretação singular de Selton Mello, a fotografia de Gilberto Otero e a produção de arte de Moa Batsow, que capturam a essência do sertão, esses elementos são frutos de decisões e talentos individuais. A trilha sonora, composta por Antônio Nóbrega e Braulio Tavares, não é apenas mais um elemento, mas praticamente mais uma personagem, evocando emoções e estabelecendo o ritmo da narrativa. E, claro, não podemos deixar de citar a montagem, conhecida por muitos como a “linguagem invisível da sétima arte,” pois a partir dela se estabelecem o ritmo narrativo, as relações entre os planos e é moldada a forma como nos conectamos com as personagens e a história contada. A montagem do Auto da Compadecida é de Paulo Henrique Farias. Além desses nomes mais visíveis, há uma miríade de profissionais que trabalhou nos bastidores: figurinista, assistentes, técnicos de som e iluminação e muitos outros. Todos contribuíram com conhecimento e criatividade para tornar "O Auto da Compadecida" um clássico do cinema nacional.
Cada filme é uma jornada de tentativas, erros, ajustes e triunfos. É um processo dinâmico de adaptações e correções de rumo, onde um grupo de indivíduos, cada um em sua função, trabalha em harmonia para contar uma história através da linguagem do cinema. Ao apreciarmos um filme, não estamos apenas testemunhando a visão de um diretor ou roteirista, mas a coletividade de esforços e paixões de uma equipe inteira. Em um tempo em que o individualismo está tão esgarçado e que as produções individuais predominam, um processo criativo tão coletivo, como é o do cinema, pode ter muito a nos ensinar.
Comments