"Cada nota carrega o sonho de uma mulher que abriu alas para o Brasil inteiro passar."

Enquanto o Brasil se prepara para o Carnaval de 2025, é impossível não revisitar as raízes dessa festa que pulsa no coração da cultura brasileira. Entre os nomes que moldaram nossa musicalidade, destaca-se uma figura revolucionária: Chiquinha Gonzaga. Compositora, maestrina e uma mulher à frente de seu tempo, ela não só desafiou as normas do século XIX como nos presenteou com "Ó Abre Alas", a primeira marchinha de Carnaval, um hino de resistência e alegria que ecoa até hoje.
Nascida em 1847 no Rio de Janeiro, Francisca Edwiges Neves Gonzaga, conhecida como Chiquinha, foi uma das primeiras mulheres a romper as barreiras de um universo musical dominado por homens. Desde cedo, mostrou talento excepcional para o piano, mas sua vida pessoal foi marcada por escolhas corajosas: aos 16 anos, casou-se por imposição familiar, mas abandonou o marido anos depois para seguir sua paixão pela música — um escândalo na época. Como mãe solteira e artista, enfrentou preconceitos, mas nunca recuou. Sua carreira floresceu com composições para teatro, valsas, polcas e, claro, o Carnaval.
"Ó Abre Alas": Mais que uma Marchinha, um Manifesto
Em 1899, Chiquinha compôs "Ó Abre Alas" para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro, no bairro carioca do Andaraí. A melodia simples e contagiante rapidamente se tornou um símbolo das ruas, mas sua letra carrega um significado profundo:
> "Ó abre alas que eu quero passar...
> Eu sou da lira, não posso negar!"
Aqui, Chiquinha não apenas celebra o Carnaval, mas reivindica espaço. A "lira" remete à música, sua identidade e arte. Em uma sociedade que limitava o protagonismo feminino, a composição era um grito por liberdade — tanto artística quanto pessoal. A marchinha, que hoje parece inocente, foi um ato político: uma mulher comandando o ritmo da festa, abrindo caminho para que outras vozes fossem ouvidas.
Legado para o Carnaval e para o Brasil
Chiquinha Gonzaga morreu em 1935, mas sua obra transcendeu o tempo. "Ó Abre Alas" é entoada todo ano, lembrando-nos que o Carnaval também é um palco de transformação social. Sua trajetória inspira artistas que, como ela, desafiam convenções: uma mulher que ousou ser maestrina, divorciada, abolicionista e republicana em uma época em que sequer podiam votar.
Em meio aos blocos e fantasias, Chiquinha nos convida a refletir: o Carnaval é festa, mas também é resistência. Enquanto os tambores soam e as ruas se enchem de cores, Chiquinha Gonzaga permanece viva na alma do Carnaval. Sua história nos lembra que a arte é território de coragem — e que, graças a pioneiras como ela, hoje podemos dançar, compor e ocupar espaços com mais ousadia. Em 2025, quando você ouvir "Ó Abre Alas", lembre-se: cada nota carrega o sonho de uma mulher que abriu alas para o Brasil inteiro passar. Viva Chiquinha! Viva o Carnaval que ela ajudou a criar!
Conheça nosso livro
Lançado em 2024, o livro "Arte em debate: reflexões contemporâneas", da autora Luiza Pessôa, artista, graduada em história e pós-graduada em História da Arte, reúne artigos revisados e ampliados do blog Ao Redor Cultura e Arte que abordam temas relacionados à arte, além de textos inéditos da autora.
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