Para refletir, conceituar ou compreender a arte contemporânea, é necessário que passemos, antes, por uma breve elucidação sobre a conceituação da arte de forma mais abrangente. Nosso questionamento inicial concentra-se em compreender o que faz de um determinado objeto ou uma determinada manifestação uma obra de arte.
O que é arte e pra que ela serve?
Definir a arte não é uma tarefa simples, pois é uma definição que transcende limites e molda-se de acordo com a perspectiva de cada observador. No entanto, defendo que a discussão só se torna mais confusa e de difícil compreensão quando se misturam tentativas de conceituação com julgamento de valores ou gosto. A definição de arte, segundo historiadores da arte, engloba os seguintes aspectos: o caráter subjetivo da arte, a intenção artística e a experiência estética.
O historiador Erwin Panofsky define como objetos práticos aqueles objetos produzidos pelo homem que não exigem a experiência estética e, portanto, são de ordem funcional ou comunicativa. Enquanto que, para ser uma obra de arte, um objeto precisa exigir uma experiência estética. Por esta definição, entendemos que não importa se a obra de arte agrada ou desagrada, se é feia ou bonita, se serve a esta ou àquela função para ser considerada arte. A conceituação está relacionada à experiência artística, que necessita de autor, obra e espectador para existir. A arte é uma manifestação criativa que comunica ideias, emoções e experiências por meio de formas, cores, sons, movimentos e outras linguagens sensoriais.
Já a discussão sobre a “função da arte” é bem mais ampla e terá percepções e definições muito mais plurais e mutáveis ao longo da história e de acordo com diferentes enfoques e contextos. As funções mencionadas a seguir são amplamente atribuídas às artes, embora não sejam necessariamente as únicas.
Experimentação sensorial: diz respeito à capacidade da obra de arte de proporcionar uma experiência estética que pode ser visual, sonora ou de outra natureza sensorial.
Função política: é aquela em que a obra suscita reflexões políticas, transmite uma ideologia, propõe mudanças sociais ou denuncia questões sociais, exercendo, assim, uma influência no domínio político e social.
Função de entretenimento: está relacionada a uma dimensão mais lúdica, à capacidade da obra de proporcionar diversão e entretenimento, muitas vezes servindo como uma forma de escapismo ou catarse para o público.
Função terapêutica: a criação artística também pode ser terapêutica. A arte-terapia é uma prática reconhecida que utiliza o fazer criativo como uma forma de expressão e cura emocional. Ela permite que indivíduos expressem suas emoções, compreendam traumas e encontrem conforto e autoconhecimento por meio da criação artística.
É interessante refletir sobre como essas "funções" podem se entrelaçar e se sobrepor. Na verdade, uma obra de arte geralmente não se restringe a uma única razão de ser; em geral, todas essas dimensões estão presentes, embora em diferentes proporções.
A predominância de uma ou outra característica é que nos leva a compreender e etiquetar determinada obra como "arte política", "arte de entretenimento", etc.
É fundamental observarmos ainda que nem sempre tais funções dependem da intencionalidade do autor. Que o processo criativo nutre-se da inspiração e transcende limites racionais. Que nem todo processo criativo é tão consciente de seus propósitos e que o impacto de uma obra de arte na sociedade só se define na sua interação com o espectador. E é primordial que seja assim. Eis a liberdade crucial da arte.
Arte contemporânea, arte pós-moderna ou arte pós-guerra?
Partiremos agora ao recorte temporal que interessa a este artigo, que é o período da produção da arte contemporânea, ou arte pós-moderna. De acordo com os principais estudos atuais, a arte contemporânea é identificada a partir, principalmente, da segunda metade do século XX, mas com raízes ainda na primeira metade do século. Não há como estipular um momento exato quando se trata de transformações culturais, mas podemos observar já nas produções das décadas de 30, 40 e 50, elementos que anunciam uma transição da arte que se entende como arte moderna para a arte que se compreende hoje como arte contemporânea ou arte pós-moderna, e ela se multiplica e se difunde, principalmente, no período pós-guerra, o que é fundamental para entendermos arte contemporânea.
Ao explorar o vasto campo da arte contemporânea, frequentemente nos deparamos com termos como "arte pós-moderna" ou "arte pós-guerra". Essa questão da nomenclatura, contudo, não deve ser considerada de forma arbitrária, pois cada termo “arte contemporânea”, “arte pós-moderna” e “arte pós-guerra”, enfatiza aspectos específicos dessas manifestações artísticas, proporcionando uma visão mais clara de seu contexto e influências.
O termo "arte contemporânea" abrange uma variedade de práticas artísticas que estão ocorrendo no momento atual. Essa definição pode parecer simples, mas a complexidade da arte contemporânea reside na diversidade de formas, mídias e temas que abrange, refletindo a pluralidade da sociedade contemporânea e das preocupações humanas do presente.
Por outro lado, o termo "arte pós-moderna" ganhou destaque por enfatizar sua contraposição ao modernismo. Enfatizando a busca por uma superação dos limites tradicionais da arte. Ideias de fragmentação, ausência de linearidade, antiestética podem ser enfatizadas pela escolha desta nomenclatura.
Por fim, a opção pelo termo "arte pós-guerra" concentra-se no período após os conflitos mundiais do século XX, realçando o impacto transformador desses eventos na produção artística. A devastação e as mudanças sociais resultantes dessas guerras influenciaram profundamente a arte, dando origem a novos movimentos e experimentações.
Portanto, ao analisar essas diferentes nomenclaturas, somos capazes de contextualizar a arte contemporânea de forma mais precisa. A observação desses termos nos auxiliam na compreensão do período artístico em questão, dos principais impulsos criativos e das influências que moldaram essa produção tão diversificada. A arte contemporânea é uma expressão artística que abraça a complexidade do mundo atual e reflete a diversidade de pensamentos, experiências e meios de comunicação que a sociedade vivencia a partir do século XX. Ela transcende definições rígidas, abraçando uma variedade de mídias e linguagens, incluindo pintura, escultura, instalações, fotografia, vídeo, performance e, particularmente, a hibridização de linguagens.
No cenário das artes contemporâneas, destacam-se nomes como Banksy, cujas obras de street art politicamente carregadas têm ganhado renome internacional, desafiando convenções e questionando o status quo. Jeff Koons, por sua vez, é conhecido por suas esculturas hiper-realistas, que transformam objetos banais em ícones culturais, enquanto Yayoi Kusama cativa com suas instalações imersivas de infinitos pontos. Marina Abramović desafia os limites do corpo humano em performances provocativas, e Ai Weiwei utiliza sua arte como voz contra a opressão e a censura política.
No universo da dança, podemos observar uma valorização do processo de pesquisa e a experimentação exaustiva presente no processo criativo de bailarinos e coreógrafos. A produção contemporânea em dança, de modo geral, também costuma valorizar a liberdade de movimento e a criatividade individual, permitindo que os dançarinos explorem uma variedade de estilos e técnicas em uma mesma composição. Nesse cenário, coreógrafos notáveis como Pina Bausch, conhecida por suas produções emocionalmente intensas e incorporação de elementos teatrais na dança, e Merce Cunningham, pioneiro na abstração do movimento e na colaboração com artistas visuais e músicos, desempenharam papéis cruciais na história da dança pós-moderna. Além disso, contemporâneos como Ohad Naharin, que introduziu a técnica Gaga e desenvolveu um estilo distintamente físico e expressivo, e Crystal Pite, renomada por sua coreografia dramática e narrativa, têm contribuído para diversificação e inovação da dança, expandindo o vocabulário de movimentos (leia mais sobre a conceituação de dança contemporânea).
Esses artistas, entre muitos outros, moldam a paisagem da arte contemporânea, provocando reflexão, discussão e inspiração em todo o mundo. Pluralidade estética, fragmentação, valorização do processo de pesquisa, mistura de linguagens ou técnicas artísticas são algumas das características frequentemente observadas na produção de arte contemporânea. Observar as características da arte contemporânea pode nos ajudar a entender nossa sociedade. Obras de arte frequentemente funcionam como um espelho da sociedade, refletindo os valores, as preocupações e as questões do momento em que foram criadas.
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A autora: Luiza Pessôa é bailarina, coreógrafa, graduada em História e pós-graduada em História da Arte, com pesquisas na área de história da dança e dança e educação. Visite o canal do YouTube.