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André Breton: A Linguagem Surrealista e a Busca pelo Inconsciente

André Breton, nascido em 19 de fevereiro de 1896, é frequentemente celebrado como o pai fundador do Surrealismo, um movimento que revolucionou a estética e a prática artística no século XX. Através de uma profunda imersão nos domínios da psicanálise, do sonho e do inconsciente, Breton procurou desafiar as convenções literárias e artísticas de sua época, promovendo uma ruptura radical com as formas tradicionais de expressão. Este artigo visa explorar a contribuição singular de André Breton para a experiência surrealista da linguagem, delineando como sua obra transcendeu os limites do texto para se tornar um manifesto da liberdade criativa.


O Manifesto do Surrealismo

A publicação do "Manifesto do Surrealismo" em 1924 marca um momento seminal na carreira de Breton e na história do movimento surrealista. Neste documento, Breton define o surrealismo como "automatismo psíquico puro, pelo qual se propõe a expressar, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. É o ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de qualquer preocupação estética ou moral". Esta definição estabelece as bases para uma nova linguagem literária e artística, que busca capturar o fluxo ininterrupto do pensamento inconsciente.


A Linguagem como Veículo do Inconsciente

Breton via a linguagem não apenas como um meio de comunicação, mas como um veículo para explorar as profundezas do inconsciente humano. Através de técnicas como a escrita automática, ele propôs um método de expressão que se afastava da premeditação racional, permitindo que as palavras emergissem livremente, sem a intervenção da censura ou do juízo crítico. Essa abordagem reflete um desejo profundo de transcender as barreiras da lógica e da razão, abrindo caminho para a expressão pura de pensamentos e emoções subterrâneos.


A obra de Breton e o movimento surrealista como um todo podem ser vistos como uma crítica contundente à supremacia da razão e à rigidez das estruturas sociais e culturais do Ocidente. Ao privilegiar a experiência do sonho e do inconsciente, o surrealismo desafia a ordem estabelecida, propondo uma realidade alternativa onde o ilógico e o absurdo ganham primazia. Esta subversão da lógica racional é evidente na linguagem surrealista, que frequentemente emprega imagens desconexas, metáforas inusitadas e associações livres, buscando desestabilizar as percepções habituais do leitor.


Legado e Influência

A influência de André Breton e do surrealismo estende-se muito além das fronteiras da literatura, afetando profundamente as artes visuais, o cinema, a filosofia e até mesmo a psicanálise. A experiência surrealista da linguagem, com sua ênfase na expressão autêntica e na exploração do inconsciente, continua a ser uma fonte de inspiração para artistas e escritores que buscam transcender as limitações do pensamento convencional. A obra de Breton, em particular, permanece um testamento da capacidade humana de imaginar mundos além da realidade tangível, convidando-nos a reconsiderar a natureza da criatividade e da expressão artística.


André Breton e a experiência surrealista da linguagem representam um marco na história da arte e da literatura, desafiando as convenções e expandindo os horizontes do possível. Ao redefinir a relação entre palavra e mundo, Breton nos lembra do poder transformador da arte e da importância de buscar verdades mais profundas além da superfície da realidade cotidiana.



De "Le Revolver à cheveux blancs" (1932)


Não dou nenhuma importância à vida

Não pego com alfinetes na importância a mais ínfima borboleta de vida

Não importo à vida

Mas os veios do sal os veios brancos

Todas as bolhas de sombra

E as anémonas do mar

Descem e respiram dentro do meu pensamento

Vêm das lágrimas que não verto

Dos passos que não dou passos duas vezes passos -

Na memória da areia ao encher da maré

As grades estão no interior da gaiola

E os pássaros vêm das maiores a1turas cantar diante delas

Uma passagem subterrânea une todos os perfumes

A mulher que lá entrou um dia

Tornou-se tão brilhante que não a vi

Com estes olhos que a mim mesmo viram arder

Tinha já a idade que hoje tenho

E vigiava-me vigiava o meu pensamento como um guarda-nocturno numa fábrica sem fim

Só eu vigiava

A praça continuava a encantar os mesmos eléctricos

As figuras de gesso nada haviam perdido da sua expressão

Mordiam a figa do sorriso

Sei de um tecido numa cidade perdida

Se me apetecesse aparecer-vos vestido desse pano

Imaginariam chegado o vosso fim

E o meu

Enfim as fontes saberiam que não se deve dizer Fontaine

Atraem-se os lobos com espelhos de neve

Tenho uma barca solta de todos os climas

Sou arrastado por um banco de gelo de dentes flamejantes

Corto e racho a lenha desta árvore sempre verde

Um músico ata-se às cordas do seu instrumento

O Pavilhão Negro do tempo de nenhuma história de infância

Aborda um navio que não passa do fantasma do seu

Há talvez uma bainha para esta espada

Mas nesta bainha existe já um duelo

Em que os dois adversários se desarmam

o morto é o menos ofendido

o futuro não é nunca


As cortinas jamais corridas

Tremulam nas janelas por construir

As camas feitas de todas as flores-de-lis

Resvalam sob os candeeiros de orvalho

Uma noite virá

As pepitas de luz imobilizam-se no musgo azulado

As mãos que fazem e desfazem os nós do amor e do ar

Mantêm a transparência para quem vê

As palmas sobre as mãos

As auréolas nos olhos

Mas o braseiro das auréolas e das palmas

Acende-se começa a arder no ermo da floresta

Lá onde os cervos inclinam a cabeça para ver passar os anos

Ainda só se ouve uma fraca pulsação

A gerar mil rumores mais leves ou mais surdos

E esta pulsação perpetua-se

Há vestidos vibrantes

Vibração em uníssono com a pulsação

Mas quando quero ver as caras das que os vestem

Uma grande névoa levanta-se da terra

Por baixo do campanário atrás dos mais elegantes reservatórios de vida e de riqueza

Nas gargantas que escurecem entre duas montanhas

No mar à hora de arrefecer o sol

As estrelas separam os seres que me acenam

Mas o carro lançado a toda a desfilada

Leva-me as hesitações até à última

Que me espera lá longe na cidade onde as estátuas de bronze e de pedra trocam de lugar com as estátuas de cera

Banians banians


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