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Análise Poética de "Paralelas", de Belchior



A canção “Paralelas” de Belchior apresenta-se como um poema denso, carregado de simbolismos e reflexões existenciais. O eu lírico narra, com lirismo e melancolia, os conflitos entre amor, alienação e as contradições da vida urbana. Este texto faz uma análise de "Paralelas" destrinchando os principais elementos poéticos da letra e suas contribuições à riqueza da obra.


O eu lírico e o cenário urbano como metáfora

O eu lírico em “Paralelas” é um amante solitário, introspectivo e emocionalmente fragmentado. Ele observa o espaço urbano ao seu redor não apenas como um pano de fundo, mas como um reflexo da sua interioridade. Desde a abertura da letra, com o verso “Dentro do carro, sobre o trevo a 100 por hora”, a narrativa sugere um estado de urgência, movimento e incerteza.


O “trevo” é particularmente simbólico, representando não apenas um elemento físico da paisagem urbana, mas também as bifurcações da vida, os caminhos múltiplos e as indecisões que marcam as escolhas humanas. Essa metáfora inicial captura a ambiguidade do eu lírico, dividido entre seguir em frente e retornar ao que foi perdido.


Amor e alienação na modernidade

A relação entre amor e alienação é um tema central. No verso “Quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor”, o eu lírico evidencia o paradoxo entre o sucesso material e o empobrecimento emocional. Esse dilema é amplificado pelo ambiente urbano que permeia a poesia, marcado por elementos como “luz de mercúrio”, “praças” e “viaduto”, que simbolizam transitoriedade e anonimato.

As “paralelas dos pneus na água das ruas” são uma metáfora poderosa que ilustra dois caminhos próximos, mas incapazes de se encontrar, refletindo a separação emocional entre o eu lírico e o ser amado. Esse desencontro é um tema recorrente na obra, dialogando com a solidão moderna e a impossibilidade de conexão plena em um mundo que prioriza a velocidade e a individualidade.


Belchior descreve a “juventude do meu coração” como “perversa”, destacando que ela “só entende o que é cruel, o que é paixão”. Esse retrato da juventude como um estado de intensidade emocional revela a dualidade entre desejo e sofrimento. A paixão é vivida em sua forma mais visceral, mas também se mostra como fonte de dor, marcada por impulsos autodestrutivos. Essa visão reflete uma maturidade que observa a juventude com certo desencanto, reconhecendo sua beleza e seu caráter devastador. A ideia de que a paixão é inseparável da crueldade confere à poesia uma profundidade existencial que ultrapassa o campo do amor romântico.


Grandiosidade e vulnerabilidade do eu lírico

Nos versos “No Corcovado quem abre os braços sou eu / Copacabana, esta semana o mar sou eu”, o eu lírico reivindica para si uma grandiosidade quase divina. Ao se identificar com ícones cariocas, ele tenta afirmar sua importância e sua conexão universal com a cidade e o amor.


Por outro lado, o clímax da canção é marcado pela extrema vulnerabilidade: “No apartamento, oitavo andar, abro a vidraça e grito / grito quando o carro passa: teu infinito sou eu”. O grito, lançado de um espaço privado para um mundo indiferente, simboliza a solidão e a necessidade desesperada de ser ouvido. Esse contraste entre grandeza e fragilidade reflete a condição humana, oscilando entre a busca por transcendência e o reconhecimento de sua finitude.


O simbolismo das bifurcações e paralelas

A metáfora do trevo e das paralelas é central à poesia. O trevo, com suas bifurcações, representa as escolhas da vida e os caminhos não percorridos. Já as paralelas dos pneus são um lembrete da impossibilidade de retorno ou de encontro, criando um paralelo visual e emocional que reforça a sensação de desencontro e fuga.

Essa dualidade entre movimento e estagnação permeia toda a obra, sublinhando o paradoxo de um eu lírico que está sempre em trânsito, mas nunca chega a um destino emocional ou físico.


Através de imagens urbanas e reflexões profundas, Belchior captura as contradições do amor, da juventude e da modernidade. A narrativa do eu lírico, ao mesmo tempo grandiosa e vulnerável, ressoa com a experiência humana de maneira atemporal, conectando o ouvinte aos dilemas universais da existência. “Paralelas” é, portanto, uma peça indispensável no panorama da música brasileira, tanto por sua poesia quanto por sua capacidade de emocionar e provocar reflexão.


Paralelas, Belchior


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