No Brasil, o dia 3 de junho marca uma data de grande relevância: o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial. Este é um momento propício para refletir sobre as profundas cicatrizes deixadas pelo racismo e para reconhecer a arte como uma das ferramentas mais poderosas de resistência e de transformação social. A arte tem a capacidade de educar, sensibilizar e inspirar mudanças profundas. Através dela, muitos artistas brasileiros têm se destacado na luta contra a discriminação racial. Este artigo ressalta as contribuições de alguns desses artistas, seus desafios e o impacto de suas obras na sociedade.
A discriminação racial no Brasil tem raízes profundas, remontando ao período colonial e à escravidão. A abolição da escravatura em 1888 não eliminou as desigualdades; pelo contrário, perpetuou um sistema de exclusão que ainda hoje se manifesta em diversas esferas. As políticas de embranquecimento e a negação do racismo institucionalizado agravaram a situação, tornando a luta contra a discriminação uma batalha contínua. Compreender este contexto histórico é crucial para valorizar o papel transformador dos artistas na construção de uma sociedade mais justa.
Os artistas são frequentemente vistos como arautos da mudança social. Suas obras não apenas refletem realidades, mas também questionam normas e desafiam injustiças. No Brasil, artistas têm sido fundamentais na conscientização sobre a discriminação racial, utilizando suas plataformas para amplificar vozes silenciadas e promover a diversidade cultural. A arte pode ser, também, entretenimento ou alívio, porém, quando busca transformação, não se limita a contemplação, ela desperta empatia e incita à ação.
Arte afro-brasileira, panorama histórico
Não é possível discutir expressões artísticas de resistência negra no Brasil sem mencionar suas origens nas senzalas, onde se mesclavam religiosidade e caráter recreativo. Elementos da cultura africana que se vão integrando à sociedade brasileira e tomando os espaços coletivos num exercício constante de identificação e comunicação.
"Arte afro-brasileira" é um termo cunhado apenas no século XX que remete a manifestações artísticas que referenciam a cultura negra e seus artistas. Embora as primeiras influências venham, provavelmente, de artífices bantos, a maioria cristianizados por missões portuguesas desde o século XV, o conceito é relativamente recente devido à falta de registros históricos anteriores ao barroco e à limitação das expressões artísticas sob a condição de escravidão. Além disso, a escassez de estudos histórico-culturais sobre a África e os africanos no Brasil dificulta a definição clara dessa arte. Entender o surgimento de uma arte afro-brasileira requer uma compreensão aprofundada da história e das influências africanas e sua mescla com culturas ibéricas e indígenas no Brasil.
É muito provável que, ainda na década de 1530, durante o primeiro ciclo econômico do Brasil, já tenha se desenvolvido uma cultura artística negra popular, especialmente musical e coreográfica, com características próprias e que podem ser consideradas as primeiras formas de arte afro-brasileira. No entanto, a falta de registros históricos dessas manifestações dificulta a criação de sua historiografia, e a busca por evidências de festividades populares brasileiras dessa época se estende a partir do século XVI.
Pode-se dizer que o período da "cultura do açúcar" no Brasil do século XVI e XVII impulsionou o surgimento de uma arte popular afro-brasileira no Nordeste, evidenciada por manifestações populares que ao longo dos anos se consolidaram nas formas de Maracatus, bumba-meu-boi e congadas.
Avançando alguns séculos, é importante destacar que, no período barroco, os artistas negros e mestiços eram provavelmente a maioria, sustentando as práticas artísticas das irmandades dos homens pretos e das corporações de ofícios do Brasil dos séculos XVIII e XIX. Além disso, o barroco brasileiro é frequentemente considerado, por determinadas historiografias da arte, como o período de origem da arte nacional, com uma significativa presença de negros nas artes plásticas.
Deve-se também destacar o lundu, manifestação musical e coreográfica resultante da fusão de elementos das culturas africana e ibérica, que contribuiu para a formação da identidade musical brasileira no final do século XVIII e que, juntamente com outras formas de batuque, dariam origem ao samba.
Após um breve revisão das origens da arte negra brasileira, avancemos no tempo para destacar artistas, de diversas linguagens da arte, que edificaram a história da resistência negra por meio da arte no Brasil.
A música, especialmente o samba, o rap e o funk, tem sido um veículo poderoso de expressão e resistência para a comunidade negra no Brasil. Artistas como Cartola, Gilberto Gil e Emicida abordam em suas canções questões de injustiça social e identidade racial, influenciando gerações e inspirando movimentos sociais.
Na literatura, escritores como Machado de Assis, Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo usam a literatura para dar voz às vivências e lutas da população negra. Suas obras não apenas desafiam estereótipos, mas também oferecem críticas contundentes às desigualdades raciais no país. Em um artigo sobre a literatura negra, a professora Luiza Brandino explica: "Entende-se por literatura negra, a produção literária cujo sujeito da escrita é o próprio negro. É a partir da subjetividade de negras e negros, de suas vivências e de seu ponto de vista que se tecem as narrativas e poemas assim classificados. É importante ressaltar que a literatura negra surgiu como uma expressão direta da subjetividade negra em países culturalmente dominados pelo poder branco" (BRANDINO, Luiza. Literatura Negra)
Nas artes visuais, vale citar alguns eventos importantes na expansão da arte negra como as exposições inaugurais do Museu da Imagem e do Som (MIS/RJ), em 1968; “I Encontro de Artes de Osasco, em 1979; A Mão Afro-Brasileira” (1988) “Negro de Corpo e Alma” (2000) módulo “Arte Afro-Brasileira” da Exposição Brasil 500 anos (2000), entre outras. Estas exposições marcaram, não só uma crescente propagação da arte afro-brasileira, mas foram importantes no rompimento de barreiras então erguidas entre arte acadêmica e arte popular, colaborando para que tais distinções deixassem de fazer sentido. Podemos mencionar artistas como Rosana Paulino e Abdias Nascimento que utilizam suas criações para explorar a história e a cultura afro-brasileira. Suas obras desconstroem narrativas coloniais e promovem a valorização da identidade negra. Através de pinturas, esculturas e instalações, provocam reflexões profundas sobre nossa história e nosso presente.
Outras Iniciativas Artísticas no Combate Discriminação Racial
Há uma diversidade de outros eventos e iniciativas dedicados à valorização e difusão da arte negra no Brasil, como a Mostra Internacional de Arte Negra (MIAN) e o Festival Latinidades, o maior festival de mulheres negras da América Latina. Coletivos como o Aparelha Luzia em São Paulo e o Afrobapho na Bahia também desempenham um papel crucial na promoção da cultura negra. Projetos sociais como o Instituto Feira Preta e o Museu Afro Brasil são fundamentais para o fortalecimento e preservação da arte afro-brasileira, oferecendo espaços de exposição, oficinas e formação artística para jovens negros. Esses exemplos mostram o vibrante e diversificado cenário da arte negra no Brasil, são espaços de resistência e criação, fortalecendo a comunidade e ampliando o impacto social no combate às desigualdades e à discriminação racial.
Apesar dos avanços, artistas negros ainda enfrentam muitos desafios, incluindo a falta de reconhecimento, oportunidades e recursos. O racismo estrutural e as barreiras institucionais limitam o acesso ao mercado artístico e à visibilidade necessária para suas obras. Abordar essas questões é essencial para garantir um ambiente mais inclusivo e equitativo no campo das artes. É um caminho árduo, mas necessário, e cada passo é uma vitória. O combate à discriminação racial no Brasil é um esforço contínuo que exige a participação ativa de todos os setores da sociedade, incluindo os artistas. Reconhecer e apoiar o papel dos artistas na luta contra o racismo é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.